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terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Trevas na Terra de Santa Cruz


Matinta Perera

Ainda em Fortaleza, terminei de verificar as armas dos gigantes comprados assim como sua estrutura, como era de se esperar os Lusitanos nos proporcionaram armas incríveis que serão de bom uso agora que existe uma possibilidade real tanto de uma revolução no sul quanto de invasão de outras províncias contra nosso país, mesmo um ataque dos Francos não parece uma realidade tão distante visto que ainda que Napoleão tenha caído o sentimento de conquista ainda parece permear os governantes daquele povo, no momento que a recém formada republica polonesa consiga resistir aos avanços deles para nos deixarem livres desse lado do mundo.

Embora acostumado a dormir em locais mais espartanos e comer ração de viagem ou carne na ponta da faca em uma fogueira, poderia me acostumar com quartos com camas macias e comida quente trazida à porta, ah sim poderia, infelizmente homens como eu nunca são bem vindos tempo o suficiente entre os ricos ou mesmo nas cidades mais civilizadas nessa terra, que o futuro mude isso mais por enquanto o conforto dessa noite faz meu cérebro viajar e posso pegar a pena e escrever algumas lembranças sem precisar me preocupar com os arredores, oportunidade que não pode ser desperdiçada.

Se a memória não me falha isso aconteceu a quase 80 anos, era mais jovem, mais corajoso e mais idiota naquele tempo, reconhecia o perigo e os monstros que assolam o mundo mais acreditava que poderia enfrentá-los com minha força e valentia, olhando para traz acredito que devo me considerar com sorte por não ter morrido, andava em Castanhal, um povoado que começou poucas décadas antes de eu chegar, em parte porque tinha esperanças de achar um local para ficar, Castanhal era falado por ser um local onde os nativos viviam juntos dos negros e dos brancos, tal possibilidade era atrativa.

A viagem tinha sido difícil embora tenha ido junto com colonizadores Cearenses em grande quantidade, a viagem final a barco levou a vida de alguns e o povoado cravado na selva tinha problemas severos com segurança e com um monstro que eu resolvi que iria matar embora todos estivessem um pouco conformados com a presença da criatura tanto que muitas vezes lhes faziam oferenda para aplacar sua raiva, coisa impensável para mim, o que ela merecia era o ferro de minha faca ou chumbo no cérebro, e com certeza merecia, o problema seria conseguir tal feito.

"Longo é o alcance dela"


O que assolava Castanhal? Matinta Perera, velha como a selva, seu nome era uma flexão do tupi que já começava a ser pouco falado no pais embora muito presente ainda, mati tapererê, algo como alma penada, assombração inquieta, contudo Matinta Perera era um demônio da noite como tantos outros nas selvas do mundo e embora poderosa sangrava como qualquer mortal, recebi ajuda de uma velha índia que se chamava Noemi, conselhos sobre o monstro a ser caçado, penso agora que com meu ar de “cavaleiro paladino” eu devia parecer demasiado tolo e juvenil para a anciã.
Após me contar sobre a criatura, como podia se transformar em uma ave, que era uma bruxa de grandes poderes, resolveu me encontrar no cair da noite na saída do povoado onde poderia me guiar para encontrar o monstro. Andamos em ritmo lento ate perto de um cemitério na floresta apesar de parecer novo pela cerca de pedra não estar tão desgastada o local tinha um ar de velho, talvez índios enterrassem seus mortos ali? Não pareceu relevante perguntar isso.

–Tem certeza que ela vai aparecer? – Perguntava verificando se a espingarda estava carregada, revisando o local onde tinha posto minha faca longa.

–Tenho – Dizia a velha índia – Todos os anos, nessa mesma noite, Matinta Perera vem contar os dedos dos mortos.

–Por que ela conta os dedos dos mortos?

–Por quê? Certa vez conheci um homem que morava dentro da mata e era um pescador, a bruxa entrava em sua casa certas noites para contar as colheres e ele se escondia e mordia um pano para não gritar. A bruxa possui hábitos estranhos, é o tipo de coisa que eu e você não compreendemos.

–Não importa. Isso ira acabar em breve – Dizia me sentando em uma rocha perto do cemitério, um local onde podia ver todos os túmulos e não poderia ser facilmente visto.

–Esqueça isso filho. Volte para o vilarejo comigo – Falou ela com preocupação genuína.

–Fora de cogitação – respondi rapidamente – Ouvi relatos de crianças sumindo no povoado, e andando pela floresta achei ossos. Ossos pequenos.

–As coisas tem sido assim na floresta a mais tempo do que eu possa lembrar, mais tempo do que estou viva, não vai conseguir mudar isso.

–Vou conseguir – Respondi teimosamente.

–Vamos voltar para o vilarejo, por favor – Pedia ela com certa piedade.

–Eu preciso fazer isso – dizia a ela que respirando fundo começou a retornar para dormir com certeza imaginando que pela manha eu seria achado morto.

Ali fiz meu ponto de vigília e esperei, a noite deveria estar na sua metade quando por fim o som de um pássaro bem peculiar me chamou atenção. A pequena coruja da selva pousou num dos túmulos e tomou forma de uma mulher velha com longos cabelos soltos, a mesma se equilibrava em apenas uma perna mais não parecia lhe faltar destreza, a mesma subiu em um galho caído que começou a flutuar a cerca de 1 metro do chão e eu vi que no lugar de um pé humano ela possuía uma garra de ave.

– Podem sair meus queridos, sua avó quer ver vocês – Disse a bruxa, senti primeiro o cheiro pútrido e logo o horror me abateu quando as mãos dos mortos se ergueram do solo. Fiquei longos minutos em choque ao ver aquela cena, enquanto a bruxa contava os dedos dos cadáveres alheia a minha presença.

Logo o transe de medo deixou minha mente, preparando a mira e engatilhando a arma, o barulho deve ter chegado aos ouvidos da bruxa pois ela rapidamente tinha mudado a postura, logo veio o disparo, não tive o tempo que queria para mirar pois tinha notado que ela me perceberá. O disparo não a atingiu, mesmo ela se movendo pouco era como se a bala simplesmente desviasse dela. Abandonei a cautela e sacando a faca corri em sua direção, era maior que ela, esperava ser mais forte, esperava matá-la antes dela ter chance de me lançar alguma magia, talvez se tivesse lançado alguma bravata como “esse é seu fim bruxa” poderia ter sido mais heróico contudo nesse momento apenas gritei avançando contra meu alvo.

O movimento foi rápido, a bruxa tentou mover as mãos, contudo não impediu meu golpe que foi um lampejo na noite e sangue da criatura manchou a lamina, menos do que eu esperava contudo. Apenas um corte em seu rosto, debilitante mais nada mortal, pensei em atacar novamente contudo o grito da bruxa, de dor e raiva, me lançou ao chão. Com o único olho que lhe restava ela me fintou com extremo ódio, mesmo sua aparência de velha frágil me era aterrorizante agora, a coragem tinha me deixado totalmente e lembro de ouvir ela gritar – O que diabos você fez comigo? – com incredulidade e fúria, de ter sequer sido desafiada por alguém, e a cada palavra da frase a terra tremia cuspindo caixões, ossos e lapides no ar me lançando para cima, me fazendo ser atingido por diversos escombros.

Não sei quanto tempo fiquei dormindo, acordei pendurado em uma arvore com muita dor de cabeça e no corpo, cada osso meu tinha uma historia de dor pra contar, então deixei Castanhal, o medo me fez sair da selva rapidamente, medo de uma vingança daquela criatura tanto que nem fiz questão de aparecer em castanhal, devem crer que morri. Anos mais tarde senti um aperto no coração ao saber que uma safra daquele povoado tinha sido perdida por uma enchente e que nos próximos 12 meses que sucederam minha fuga todas as crianças que nasciam eram cegas de um olho.

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