Meus 2 Centavos Sobre o Final de Boku no Hero
Com um final tido como decepcionante e uma historia que, com sua conclusão e a
forma que acabou, olhando de longe noto que parece ser uma alegoria
com a sociedade de castas japonesa, boku no hero academia chegou ao
fim, um fim corrido e com alguns erros, mas que cativou o publico
japonês embora tenha sido amplamente rejeitado pela maioria dos
outros fãs de outros países. Escrito por Kohei Horikoshi em 2024
boku no hero academia completa 10 anos alcançando sua conclusão,
apesar de ser uma das estrelas da shounen jump o que o tornou famoso
foi o anime que começou a ser exibido em 2016, cabe lembrar que a
década de 10, foi a era das histórias de super heróis, tornando
bem propício o aparecimento desse manga e com certeza o ajudando a
se firmar como o sucesso que se mostrou, apesar de performar na época
dos super heróis a obra de kohei vinha mostrando pontos de vista ate
ácidos sobre os super heróis americanos, e não se engane, isso
reflete o final e também é a razão dele ter sido tão mau recebido
no brasil, choque de culturas, insira aqui piada sobre programa de
humor. Dito de forma a ficar mais claro, a raiva pelo final de boku
no hero é mais pela familiaridade com historias americanas, que pelo
final em si, esse manga não foi o primeiro “japonês demais”
para ser entendido por outros com facilidade, bleach ate hoje amarga
um estigma de “mau feito” unicamente por ser profundamente ligado
a própria cultura dos criadores. Bom talvez não unicamente mais
principalmente.
Ideia Governante
Uma coisa a se falar
sobre a ideia governante, toda narrativa ou pelo menos toda narrativa
clássica que demanda uma historia com inicio meio e fim e que busca
uma conclusão satisfatória baseada no que se estabelece no inicio,
bom, essa estrutura chamaremos de ideia governante, sendo ela fácil
de se analisar se você souber onde olhar e o que procurar, a ideia
governante serve para orientar a historia e guia-la, podendo divergir
mais não fugir da ideia governante, isso mantêm a coerência.
Embora aconteça da ideia governante mudar dependendo mais do publico
do que da historia, adianto aqui que a de boku no hero está coerente
ate o seu final. Seu sistema de valores se mantêm firme, ou caso
haja lacunas elas são pequenas, o suficiente para passarem
desapercebidas por mim na minha leitura complementar para esse texto,
mas vamos tentar demonstrar que esse mangazinho se segura?
A Proposta
Embora não inedita,
inclusive já abordada em Xmen, boku no hero parte de uma premissa
bem interessante por si só, a proliferação dos super poderes,
tanto que é dito no inicio da historia que no momento em que ela se
passa cerca de 80% da humanidade conta com super poderes, ou seja,
pessoa com super poderes são uma minoria, guarde essa informação,
tudo isso teria começado sem uma razão aparente, com o nascimento
de um bebe brilhante a partir dai os super começaram a nascer no
mundo, mutações começavam a se mostrar nas pessoas sobretudo nas
crianças, o advento do bebe brilhante é questionado no fim, que
poderia ter supers bem antes dele mas não vamos derivar para isso.
Uma coisa a se observar nos super poderes do manga, eles são
herdados, mais uma informação para se guardar, e podem ser
combinados, a exemplo do super herói todoroki, cabe observar, os
super poderes são chamados na historia de “individualidades” ou
no japones, kosei.
Esse nome ter sido
escolhido para as mutações já é um bom comentário politico,
terceira informação para grifar.
Como o numero de
pessoas com individualidades se tornou alto demais, a sociedade criou
uma estrutura para contemplar essas pessoas com super habilidades,
desde escolas para ajudar a desenvolver essas habilidades ate mesmo
uma ciência para catalogar e estudar como cada poder se manifesta e
se desenvolve. Essas habilidades fantásticas se tornaram a norma, a
sociedade já esta habituada com super seres, aqui entra a quebra do
paradigma, o protagonista não possui poderes.
O Protagonista
Deku é um típico
jovem de um manga shounem, ele é um rapaz bondoso e é bondoso
porque sim, bondade natural, contudo é alguém tomado por uma
profunda angustia, sua insegurança é tamanha que algumas pessoas
por muito fazem sarro dela sem notarem algo esfregado em nosso rosto
a todo momento, Izuku Midorya, nome verdadeiro do protagonista Deku,
é uma minoria, imagino que alguns vão estar já achando que eu
estou forçando lacração, eu digo que escolher não entender isso é
seu direito, mas faz parte da argumentação, aos que vão
continuar…. Deku sonha em ser um super heroi apesar de não possuir
individualidade, um otaku de super herói ele estuda individualidades
com um fervor quase apaixonante embora para a maioria das pessoas no
manga, perturbador, de todos os super herois que ele observa e estuda
o que o midoria mais venera é o grande Allmight, um homem grande,
sorridente, musculoso e loiro, diria eu, uma beleza tipicamente norte
americana. Seu uniforme tem cores dos EUA e seus golpes tem nomes de
estados dos EUA, embora nascido no japão Toshinori, o Allmight é
japones mas passou a vida inteira na America, e dos EUA ele trouxe
esses trejeitos de super heroi e tambem sua forma de se comportar,
refletindo ate em seu jargão “está tudo bem agora porque eu
cheguei”agora os argumentos começam a tomar forma não é?
“Individualidades”… “eu cheguei”. Mas sem querer atropelar
o caso, Allmight é no geral um mistério dentro do próprio mundo,
enquanto outros poderes são compreensíveis os dele não são,
Allmight é apenas “super”, ele faz tudo melhor, é mais rapido ,
mais forte, mais resistente e capaz de coisas que não deveriam ser
possíveis apenas por força bruta. O mistério dura por muito tempo
embora parte dele seja revelado logo no primeiro capitulo, seus
poderes são herdados, ele possui o one for all que passa para o
jovem midorya e assim começa a macro trama do manga, one for all é
um poder imenso, a capacidade de acumular poder, legado de herói para
herói e inclusive Allmight é o oitavo usuário sendo Deku o nono, aos
mais observadores iram fazer relação do fato de deku ser o nono e
do poder morrer com ele, Allmight passa os poderes para midorya após
presenciar um ato de coragem e benevolência dele, entendendo que ele
é o que é necessário a nova geração.
Começa o arco de
Deku com o one for all, um poder incrivel mais dilacerante, que cobra
muito do corpo sendo necessário um corpo poderoso para o comportar,
cobrando de deku um grande treinamento e ainda assim apenas para
poder comportar ele em parte, por um longo tempo cada vez que ele usa
os poderes Deku se quebra, Deku ganha uma invidualidade que seu corpo
não consegue suportar, basicamente deku ganha um fardo que é a
afirmação do seu eu, que ele não estava pronto para erguer.
O Rival
Katsuki Bakugou o
que viria a ser o super heroi dynamight se mostra o rival de midorya,
conhecendo ele desde pequeno, dizer que bakugou nunca foi um bom
amigo é falar pouco, o bullyng pesado que ele fazia com seu “amigo
sem individualidade” contudo tem um componente muito japonês, que
ele sentia que sua honra era ameaçada porque deku sempre tentava lhe
estender a mão, onde todos viam alguém poderoso, capaz e
inalcançável, deku o sem poder via alguém que necessitava de
apoio, de ajuda.
O Mito Base
Super heróis são
mitos modernos e embora eles existam no espaço de historias mais
usuais ou romances como é mais conhecido, em algum grau eles
compartilham sua historia com o mito, um tipo de historia mais basal
e o mito de boku no hero é o nascimento de all for one o grande
vilão, nascido do que parece ser uma prostituta, ele próprio matou
sua mãe roubando dela sua invidualidade e ate nutrientes enquanto
ela o gestava, roubando nutrientes do seu irmão, que viria a ser a
base para o one for all, inclusive aqui é possível ver ecos do mito
dos fundadores de roma.
Esses dois irmãos
transformam o mundo e enquanto o mais forte que viria a ser o vilão
all for one é poderoso, ambicioso e não vê problemas em matar alem
de tratar o irmão como posse e apenas por isso lhe da uma
individualidade, a individualidade de acumular poder, o irmão é
bondoso embora fraco e das ruinas da destruição do mais forte ele
gostava de ver quadrinhos americanos de super heróis, dai ele tira
uma base de heroísmo, um ótimo simbolismo, como a noção de super
heróis nasce da mitificação de uma ficção. Contudo algo que o
irmão mais forte não sabia é que o mais fraco possuía uma
individualidade, a de passar poder, como dito antes as invidualidades
se combinam, a de acumular poder junto com a de passar poder se
tornou o one for all.
Do lado do herói se
tem a noção que o poder é acumulado e passado adiante,
transferido, tanto que cada usuário do one for all que já possuía
super poderes, passou também o seu adiante e cada vez que isso era
passado se criava algo novo, uma boa alegoria para tradição algo
importante para os japoneses. Afinal o que é tradição se não os
saberes passados? Por isso no começo da historia Allmight é um
professor, para ensinar a nova geração, porque o professor é a
pessoa que ocupa esse papel de vinculo entre o que era e o que vai
ser.
O Coletivismo
Japonês
O super herói em um
padrão ocidental é alguém destacado da sociedade a qual ele faz
parte, ou melhor, pertence, porque ele não faz parte, esta acima,
ainda que em um papel de servidão ele se alça ao topo seja por
capacidade, moral ou caráter de fazer aquilo que precisa ser feito e
ninguém mais conseguiria. Por isso hoje em dia tem tantas historias
que exploram os supers como alegoria racial, seja pra tratar como
minoria, xmen, seja como alegoria ao nazismo, The Boys. Já em boku no
hero, tudo isso caminha para algo diferente, o começo ate brinca com
tropos de super herói americano mais ate o final isso vai se diluindo
em visão mais abrangente da sociedade, refletindo o coletivismo
japonês onde o todo é importante por isso o herói é alguém que faz
parte da sociedade e não que desponta dela e sim que se dilui,
muitas reclamações de “nossa ele virou professor e CLT” embora
o final seja anticlimático não é ruim, a historia jogando na nossa
cara a todo momento a questão do coletivismo sobre que qualquer um
pode ser herói dentro de suas limitações, embora no começo muitos
elementos gritassem na nossa cara “individualidade” em dado
momento da obra e cada vez mais eles iam nos entregando
“coletividade”.
Castas
O sistema de castas
foi abolido no japão desde o século 19 mas informalmente ainda
existe, a questão da sociedade sendo dividida entre quem tem
individualidade ou seja, quem existe, quem tem voz e esta aqui, e
quem não tem invidualidade ou seja, não esta aqui, também esta
representado em alegoria, quando o midoria comenta para si mesmo que
queria que a mãe dele no momento que ela se ajoelha , o abraça e
pede desculpas por ele não ter invidualidade e que ele queria que
ela falasse “você consegue também ser um super heroi” é um
comentário sobre que “você pode existir numa sociedade onde todo
mundo pode existir” sob essa ótica midoria não perdeu sua
individualidade, mesmo sem seus super poderes ele fez diferença
visivel e central no mundo, ele estava ali. Ate por isso a noção de
superioridade é atribuída ao vilão All for One, enquanto no final é
“um bando de garotos” ou seja, a futura geração, que destrói a
velha ordem obsoleta.
Alegoria
Midoria tambem pode
ser uma alegoria a uma pessoa pouco valorizada numa sociedade
normativa, alguém com deficiência, sexualidade diferenciada, mestiço
ou de raça minoritária, afinal ele não detém a individualidade que
se espera de todo mundo e mesmo assim como mostra o final do arco
dele a inclusão é possível.
Tradição japonesa
de super heróis.
Fantomas que talvez
seja o primeiro super herói real do mundo surgiu antes do superman,
mas com proliferação de revistas de supers vindo dos estados unidos
houve uma colisão de culturas e os japoneses se apropriaram de temas
americanos os transformando em deles, por isso houve uma
diferenciação, o super herói japonês ficou conhecido como Yusha,
algo como “homem valente” já o herói nos moldes DC e Marvel, é
referenciado por um estrangeirismo, “supa hiro”, e boku no hero
pode ser visto como uma reflexão da tradição de super heróis no
Japão, poeticamente revisando a tradição de supa hiro em direção
a algo mais singular ao homem valente, ao yusha.
Para os que falam
que “ele não esta feliz como professor” de fato midorya não
esta exultante mas esta pleno, pelo que notei a coisa que ele sente
falta é de sair com os amigos e isso fala mais da realidade japonesa
com seus longos expedientes do que fala a nós. Ver o final de
midoria como um fracasso fala mais sobre nós do que sobre o manga.
Cultura de Convergência.
Muito também se reclamou que o final foi ruim porque o midorya não ficou com a uraraka, ou porque o final foi enfraquecido por ele ganhar uma armadura, embora em parte concorde com isso, é bom entender que finais mais abertos vão ficar cada vez mais comuns, em busca de atender um publico que não apenas consome mais cria em cima de obras famosas, muita coisa irá ter cada vez mais fanservice, e foi isso o relacionamento aberto, sem um casal definitivo qualquer casal é possível assim dando mais gás a fanfics, chama-se isso de cultura de convergência, com criações sendo feitas pensando em um publico que em algum grau também é um criador, vide o final de Nagatoro que terminou sem um casamento, algo que tantos fãs ocidentais gostariam de ver.
A confusão da tradução.
Uma das coisas que gerou descontentamento foi a frase de midorya que ele se tornou "o maior dos super heróis" sendo que na verdade ele nunca disse isso, sendo um erro de tradução, o termo mais aproximado sendo "como me tornei um grande herói" termo usado na tradução norte americana. E de fato ele se tornou um grande herói, um professor, numa sociedade onde todos servindo a sociedade, são heróis. Você pode gostar ou não gostar de boku no hero, eu mesmo acho apenas bom o final, mas não pode negar que ele é coerente e que deixou bem visível um enorme descaso que os brasileiros tem para com os professores.