Assombração da Fazenda dos Patos
Mesmo agora velho eu não paro minhas viagens, ando em meio
as antigas trilhas dos peabirus e pelo norte e nordeste, mestiço e sem lugar em
cidades grandes, ainda que alguns apreciem meus textos muitas vezes fico melhor
com o reconhecimento a distancia, não existe lugar para mim entre as pessoas
das cidades que mesmo que hoje cultuem uma figura idealizada do bandeirante em
verdade nunca gostariam de encontrar um ainda que em condições de amizade, para
que o ufanismo não morra diante de uma figura real e falha como qualquer ser
humano, essas minhas viagens me trazem as recordações para escrever as
anotações históricas, mais me recordam de historias que vi em meus longos anos
de vida, embora também nunca tenha de fato abandonado as armas, uma vida
inteira de violência deixa cicatrizes, marcas de caráter, hábitos e inimigos.
De modo que mesmo em tempos de viajante e estudioso não posso me dar ao luxo de
vagar sem o fuzil ou pistola alem de outras armas, muitos perigos rondam essas
estradas e maldições estranhas se deitam sob essas terras, dividirei com vocês um
dos casos mais estranhos que vi e tive a sorte de sobreviver para contar.
Viajava por Alagoas, perto da fazenda dos Patos que ate então
eu não sabia que existia, viajava por trilhas antigas, indígenas e pouco usadas
justamente para evitar bandoleiros, esse tempo é perigoso com cangaceiros e
jagunços percorrendo pelas estradas do nordeste e precisariam apenas de uma
desculpa pequena para matar qualquer viajante, já preparava para comer algo,
mesmo que a noite estivesse fria não me sentia com coragem de ascender um fogo
visto que estava em campo aberto, fui surpreendido com um homem chamando minha
atenção, ele me questionou sobre quem eu era, porque estava tão longe da
cidade, falava que estava indo para a mesma quando a noite me pegou e precisei
parar, fui convidado para dormir numa fazenda perto, o homem se identificou
como Domingos, um vaqueiro que trabalhava na dita fazenda e disse que poderia
dormir em uma cama e pela manha seguiria viagem, sabendo da gentil e hospitaleira
gente dessa terra, pensei , porque não?
Seguindo o caminho a noite ia ficando mais fria, contudo ao
chegar na fazenda fiquei surpreso, o local parecia abandonado, não havia plantações
perto, sinais de criação de animais de qualquer tipo, apenas uma tapera caindo
aos pedaços no centro do terreno delimitado com uma cerca que já falhava na
maioria de sua extensão, perguntei ao homem que tipo de trabalho ele fazia ali
contudo ao me virar para ele o mesmo estava em pé as minhas costas sem a
cabeça, saquei o machado e a pistola, o golpe desfez a criatura a minha frente
como se ela fosse feita da substancia da noite e para ela tivesse voltado.
A esse momento preferia ser encontrado pelos bandidos que
por qualquer monstruosidade, quebrei uma garrafa de cachaça e joguei o liquido
por um arbusto morto perto, risquei a pederneira e vi a fogueira de palha
começar a queimar iluminando o negrume, nenhum sinal de criaturas, joguei
algumas tabuas velhas na fogueira na esperança do fogo se manter contudo estava
em conflito na minha mente, correr para o sertão seria perigoso no escuro,
qualquer coisa poderia me ocorrer ali. Longos foram os segundos em que eu observava a escuridão em
busca de um sinal para atacar, gritos começaram a soar da tapera e me voltei
para ela apontando a pistola, minhas mãos já não tinham firmeza e o medo
percorria meu corpo e gelava meu sangue retirando a força dos meus músculos,
uma risada que cortava a noite quase me fez cair, juntando o quanto de coragem
me sobrava gritei, chamando Domingos de covarde e comandei para que aparecesse
a minha frente – Não sou Domingos, sou o Diabo – me respondeu uma voz vinda do
interior da tapera – Eu mando nessas terras e sua presença já começa a me
incomodar – joguei um toco de tabua em chamas para a entrada da velha
construção me deparando com uma figura sinistra, com gibão de couro, um
cangaceiro saído de pesadelos, atirei e o ataque nada fez contra a criatura que
me atacou com uma peixeira. A madeira do meu machado não conseguiu conter
aquele golpe e senti ele gelar minha pele, não era como o toque de uma lamina
contudo ainda assim sangrei pelo ferimento provocado, vendo que não teria
chances ali abri mão de minha cautela e fugi para o serrado.
"Bandido bom é bandido morto?"
Corri a por muito tempo a noite e podia ouvir ao longe a
risada daquela fera sobrenatural, ao chegar na primeira cidade e falar sobre o
que aconteceu foi me falado sobre a fazenda dos Patos, local assombrado onde
Corisco, o diabo loiro, degolou 6 pessoas inocentes que ele jurava terem sido responsáveis
pela morte de seu chefe, lampião, que morrerá poucos meses atrás. Se foi punição
divina que prendeu Corisco naquele lugar amaldiçoado ou se foi uma peça pregada
por divindades negras que ainda estão ofendidas pela tomada dessas terras, não
sei dizer, assim como não sei dizer se alguém vai poder voltar a viver na
Fazenda dos Patos
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