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domingo, 7 de junho de 2020

O Mestre da Masmorra

A Força


Tormenta como cenário coeso e com historias interligadas hoje é o mundo de RPG com mais fãs no Brasil, não é surpresa contudo ver as versões de tormenta que cada narrador e jogador possuem na cabeça se colidirem pois cada um vê os cenários de suas historias da forma como desejam não é? Para muitos Tormenta é um mundo alegre apesar da sombra da tempestade, é um mundo com vilas ocultas de ninja onde você desafia o mau com seu shinigami usando uma katana ou usa um monge de tamura capaz de lançar rajadas de Ki de suas mãos. Sinto muito pelos exemplos puramente Otakus de animes shounem, mais eles particularmente me assombram.

Para outros Tormenta é absolutamente terrível, quase uma masmorra gigantesca o cenário é violento com as ameaças da Aliança Negra, Dragões, da dita tempestade que da nome ao cenário inclusive, tormenta é um mundo onde os bravos empunham espadas para defender a si mesmo e aqueles que amam dos perigos desse mundo terrível, apesar de ser algo mais próximo do que eu costumo preferir não sou um mestre de colocar fatalismo em minhas historias, coragem, força e piedade, se não piedade pelo menos empatia, são virtudes que eu gosto de ver em meus jogadores são virtudes que eu recompenso com pequenos momentos narrativos ou fazendo com que elas abram portas no mundo. Dito isso Tauron o deus da força foi o que mais me decepcionou nesse quesito, deveria ser um dos meus favoritos não é? afinal, força e coragem, em retrospecto pode parecer inútil discutir isso agora visto os acontecimentos atuais do cenário mais vejo de forma diferente. É o momento perfeito para discutir.

Muitos jogadores de rpg e mestres assumem características mais simples para o Panteão onde cada divindade é aquilo que ela é, poucas são as excessões e em tempos idos com o conteúdo oficializando que Tauron não é a Divina Serpente nem uma outra de suas encarnações por raças mais bárbaras meio que engessou bastante o conceito dele como divindade, representações sobre a visão de Tauron sobre a força em meu cenário eram muito mais filosóficas do que apenas pujança muscular mais tais representações causavam alienação em meus jogadores que esperavam uma divindade nos padrões de Hulk esmaga e quando heróis épicos chegaram a falar com minha versão de Tauron se surpreenderam com um intelectual. Em resumo Tauron da forma como existia devia ser simples para encarnar um conceito e para se manter nele mais eu o achava raso, não errado apenas menos do que deveria ser pela visão de força ser a física e dominância ser uma forma de pagar por proteção, essa que era como a oferecida por gangsteres, de ser protegido dos seus protetores.

Imagino que o texto agora vai achar muitas vozes que discordam dele devido a minha própria interpretação filosófica de Força contudo la vai ela, Tauron e os minotauros não são fortes, pois força como virtude não vem de dominar o mais fraco e exigir dele tributo por proteção, ela não se resume a pujança muscular ou formas de matar alguém, as interações entre seres que se resumem a "quem é mais forte" são vazias a níveis absurdos e a arrogância que pauta os minotauros sempre me deixou desconfortável como algo mais terrível que a visão racista dos Yudenianos pro duas razões, porque se pautava em uma religião se travestindo de virtude, ou por nunca ser vista de fato como racismo afinal os minotauros serem de fato de uma raça não humana não isenta a visão como algo terrível, possivelmente foi o que os autores quiseram passar contudo como mestre vi poucos jogadores verem dessa forma.

Mas dando um exemplo de manga, para aqueles jogadores que não entenderam a forma de pensamento que quis passar e iriam apelar para "Tormenta é um cenário baseado em animes e animes são assim, com força sendo definida como a forma de vencer outro" em vagabond, apos um dos maiores feitos de Musashi como mito, ainda que ele tenha existido, onde ele venceu 60 espadachins, um feito inacreditável claro, digno de uma verdadeira lenda, o samurai se vê em uma espiral de violência, com vontade e corpo quebrados Musashi se sente perdido, perdendo-se mais e mais nessa espiral de sangue que se tornou sua vida, não ajuda a percepção de que ele não matou 60 homens e sim 60 famílias, pois dependiam dos agora mortos espadachins. Musashi se livra dessa loucura quando no volume 28 numa pequena vila que tem a plantação destruída por gafanhotos ele tenta tratar a terra para que ela reviva e possa ser usada novamente para plantação e assim tenta salvar aquelas pessoas da fome, tal feito não envolve matar pessoas e sua habilidade com a espada e a força pelo qual ele é conhecido de nada vai ajudá-lo com essa empreitada. Já vi jogadores quebrarem em momentos parecidos, quando colocados em situações onde precisam conviver com outras pessoas, em relações que não giram em torno de "quem é mais forte".

Nesse arco também Musashi é convidado a dar aulas a pessoas comuns que são apaixonadas pelo caminho da espada como forma de expressão e disciplina, uma vez a cada três dias ele se reunião para treinar sem restrição de idade onde se relacionavam de maneira saudável e exercitavam seu companheirismo, esses homens são pessoas de dedicação, carinho e comunidade e Musashi é acolhido como outro amante do caminho da espada, sem discriminação ele é aceito como um igual. Para Musashi sempre tratado como um demônio ou um selvagem foi um ponto de ruptura em sua personalidade. Quando se vendo em meio aqueles homens, nenhum especialmente habilidoso ou dedicado mais com qualidades que ele se via admirando pela primeira vez o mesmo diz "vocês são muito gentis. Vocês são pessoas fortes".

A força como virtude não existe se ela é usada para subjugar os fracos, isso é fraqueza. A coragem como virtude não existe se usada para justificar abusos contra pessoas que não podem reagir, isso é covardia. Proteção em troca de escravidão não é um tributo apropriado, isso não é proteção é abuso. Usar "isso é lógica de anime" para justificar isso e falar "é outra cultura e uma cultura fantasiosa" para falar que isso é valido em sua campanha ou que seu personagem um clerigo de Tauron "bondoso" leva uma garota a ferros por ai que ele estupra sempre que deseja, os convido a ler Lua dos Dragões e ter a mesma epifania que as dragoas caçadoras tiveram ao verem o guardião do bosque das teias como reflexos de si mesmas, que antes acreditavam ser seres bondosos que retiravam aqueles que não podiam lutar pela própria sobrevivência nas selvas do planeta, a se ver como realmente eram, monstros maléficos.

Apesar do escrito acima e se os que não concordam com o que eu falei sequer chegaram a esse ponto, não falo para mudarem os minotauros e sim entenderem porque como estão no momento eles são vilões, mais acima de tudo os convido a repensarem a violência como forma de poder em comparação a gentileza que mesmo sendo um gesto tão pequeno possui nele a verdadeira força. E se você esta com duvidas sobre "como fazer um clérigo de Tauron bondoso" embora tal dicotomia em verdade vai se acabar quando sair o T20 sei que muitos gostam de jogar "no passado do cenário" então minha dica seria, esqueçam os escravidão como forma de tributo e aceitem a gratidão, gentileza, admiração daqueles que salvarem pois é um premio melhor e mais valido. Esqueçam os atos para provarem sua coragem, a coragem não se prova como algo nascido de um sentimento narcisista ela existe e se prova quando necessária, quando mesmo com medo você não recua porque tem uma razão para se manter firme, na duvida lembrem-se das palavras do Gandalf para Galadriel em o hobbit, ainda que o filme seja praticamente uma historia nova e não uma adaptação vejo essas palavras como algo que de fato sairiam da boca do sábio mago. Quando perguntado pela senhora de Lorien "porque levar o pequenino" Gandalf responde "Porque eu tenho medo e ele me da coragem".