Tormenta como cenário coeso e com historias interligadas
hoje é o mundo de RPG com mais fãs no Brasil, não é surpresa contudo ver as
versões de tormenta que cada narrador e jogador possuem na cabeça se colidirem
pois cada um vê os cenários de suas historias da forma como desejam não é? Para
muitos Tormenta é um mundo alegre apesar da sombra da tempestade, é um mundo
com vilas ocultas de ninja onde você desafia o mau com seu shinigami usando uma
katana ou usa um monge de tamura capaz de lançar rajadas de Ki de suas mãos.
Sinto muito pelos exemplos puramente Otakus de animes shounem, mais eles
particularmente me assombram.
Para outros Tormenta é absolutamente terrível, quase uma
masmorra gigantesca o cenário é violento com as ameaças da Aliança Negra,
Dragões, da dita tempestade que da nome ao cenário inclusive, tormenta é um
mundo onde os bravos empunham espadas para defender a si mesmo e aqueles que
amam dos perigos desse mundo terrível, apesar de ser algo mais próximo do que
eu costumo preferir não sou um mestre de colocar fatalismo em minhas historias,
coragem, força e piedade, se não piedade pelo menos empatia, são virtudes que
eu gosto de ver em meus jogadores são virtudes que eu recompenso com pequenos
momentos narrativos ou fazendo com que elas abram portas no mundo. Dito isso
Tauron o deus da força foi o que mais me decepcionou nesse quesito, deveria ser
um dos meus favoritos não é? afinal, força e coragem, em retrospecto pode
parecer inútil discutir isso agora visto os acontecimentos atuais do cenário
mais vejo de forma diferente. É o momento perfeito para discutir.
Muitos jogadores de rpg e mestres assumem características
mais simples para o Panteão onde cada divindade é aquilo que ela é, poucas são
as excessões e em tempos idos com o conteúdo oficializando que Tauron não é a
Divina Serpente nem uma outra de suas encarnações por raças mais bárbaras meio
que engessou bastante o conceito dele como divindade, representações sobre a
visão de Tauron sobre a força em meu cenário eram muito mais filosóficas do que
apenas pujança muscular mais tais representações causavam alienação em meus
jogadores que esperavam uma divindade nos padrões de Hulk esmaga e quando heróis
épicos chegaram a falar com minha versão de Tauron se surpreenderam com um
intelectual. Em resumo Tauron da forma como existia devia ser simples para
encarnar um conceito e para se manter nele mais eu o achava raso, não errado
apenas menos do que deveria ser pela visão de força ser a física e dominância
ser uma forma de pagar por proteção, essa que era como a oferecida por gangsteres,
de ser protegido dos seus protetores.
Imagino que o texto agora vai achar muitas vozes que
discordam dele devido a minha própria interpretação filosófica de Força contudo
la vai ela, Tauron e os minotauros não são fortes, pois força como virtude não
vem de dominar o mais fraco e exigir dele tributo por proteção, ela não se
resume a pujança muscular ou formas de matar alguém, as interações entre seres
que se resumem a "quem é mais forte" são vazias a níveis absurdos e a
arrogância que pauta os minotauros sempre me deixou desconfortável como algo
mais terrível que a visão racista dos Yudenianos pro duas razões, porque se
pautava em uma religião se travestindo de virtude, ou por nunca ser vista de
fato como racismo afinal os minotauros serem de fato de uma raça não humana não
isenta a visão como algo terrível, possivelmente foi o que os autores quiseram
passar contudo como mestre vi poucos jogadores verem dessa forma.
Mas dando um exemplo de manga, para aqueles jogadores que
não entenderam a forma de pensamento que quis passar e iriam apelar para
"Tormenta é um cenário baseado em animes e animes são assim, com força
sendo definida como a forma de vencer outro" em vagabond, apos um dos
maiores feitos de Musashi como mito, ainda que ele tenha existido, onde ele
venceu 60 espadachins, um feito inacreditável claro, digno de uma verdadeira lenda,
o samurai se vê em uma espiral de violência, com vontade e corpo quebrados Musashi
se sente perdido, perdendo-se mais e mais nessa espiral de sangue que se tornou
sua vida, não ajuda a percepção de que ele não matou 60 homens e sim 60 famílias,
pois dependiam dos agora mortos espadachins. Musashi se livra dessa loucura
quando no volume 28 numa pequena vila que tem a plantação destruída por
gafanhotos ele tenta tratar a terra para que ela reviva e possa ser usada
novamente para plantação e assim tenta salvar aquelas pessoas da fome, tal
feito não envolve matar pessoas e sua habilidade com a espada e a força pelo
qual ele é conhecido de nada vai ajudá-lo com essa empreitada. Já vi jogadores
quebrarem em momentos parecidos, quando colocados em situações onde precisam
conviver com outras pessoas, em relações que não giram em torno de "quem é
mais forte".
Nesse arco também Musashi é convidado a dar aulas a pessoas
comuns que são apaixonadas pelo caminho da espada como forma de expressão e
disciplina, uma vez a cada três dias ele se reunião para treinar sem restrição
de idade onde se relacionavam de maneira saudável e exercitavam seu
companheirismo, esses homens são pessoas de dedicação, carinho e comunidade e
Musashi é acolhido como outro amante do caminho da espada, sem discriminação
ele é aceito como um igual. Para Musashi sempre tratado como um demônio ou um
selvagem foi um ponto de ruptura em sua personalidade. Quando se vendo em meio
aqueles homens, nenhum especialmente habilidoso ou dedicado mais com qualidades
que ele se via admirando pela primeira vez o mesmo diz "vocês são muito
gentis. Vocês são pessoas fortes".
A força como virtude não existe se ela é usada para subjugar
os fracos, isso é fraqueza. A coragem como virtude não existe se usada para justificar
abusos contra pessoas que não podem reagir, isso é covardia. Proteção em troca
de escravidão não é um tributo apropriado, isso não é proteção é abuso. Usar
"isso é lógica de anime" para justificar isso e falar "é outra
cultura e uma cultura fantasiosa" para falar que isso é valido em sua
campanha ou que seu personagem um clerigo de Tauron "bondoso" leva
uma garota a ferros por ai que ele estupra sempre que deseja, os convido a ler
Lua dos Dragões e ter a mesma epifania que as dragoas caçadoras tiveram ao
verem o guardião do bosque das teias como reflexos de si mesmas, que antes
acreditavam ser seres bondosos que retiravam aqueles que não podiam lutar pela própria
sobrevivência nas selvas do planeta, a se ver como realmente eram, monstros maléficos.
Apesar do escrito acima e se os que não concordam com o que
eu falei sequer chegaram a esse ponto, não falo para mudarem os minotauros e
sim entenderem porque como estão no momento eles são vilões, mais acima de tudo
os convido a repensarem a violência como forma de poder em comparação a
gentileza que mesmo sendo um gesto tão pequeno possui nele a verdadeira força.
E se você esta com duvidas sobre "como fazer um clérigo de Tauron
bondoso" embora tal dicotomia em verdade vai se acabar quando sair o T20
sei que muitos gostam de jogar "no passado do cenário" então minha
dica seria, esqueçam os escravidão como forma de tributo e aceitem a gratidão,
gentileza, admiração daqueles que salvarem pois é um premio melhor e mais
valido. Esqueçam os atos para provarem sua coragem, a coragem não se prova como
algo nascido de um sentimento narcisista ela existe e se prova quando necessária,
quando mesmo com medo você não recua porque tem uma razão para se manter firme,
na duvida lembrem-se das palavras do Gandalf para Galadriel em o hobbit, ainda
que o filme seja praticamente uma historia nova e não uma adaptação vejo essas
palavras como algo que de fato sairiam da boca do sábio mago. Quando perguntado
pela senhora de Lorien "porque levar o pequenino" Gandalf responde
"Porque eu tenho medo e ele me da coragem".